terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Companheira de Alta Luz


E enfim, ele saiu do mundo. Rompeu a bolsa, quebrou a casca, derrubou o portão, como quiserem. Saiu daquilo que pensava que era o mundo. Mas não, aquilo não era o mundo inteiro, era apenas o seu mundo, o mundo só dele e o pior: dele só. A tradição, a conjuntura, as circunstâncias, todas essas banalidades que elegemos fundamentais por educação, caíram então por terra, de tão leves e emboloradas, não tarda descobrirmos seu caráter acessório, compatível com o plano das justificativas. Seriam os deuses astronautas ou seria aquilo o que chamam de viver? Sobre o viver, em seu caso, era mesmo uma justaposição: sobrevida. Um sol amarelo, um céu acinzentado e um verde desbotado em vida praticamente black-tie. Sem cores, a natureza ao seu redor de tão surreal lhe parecia uma ficção. Um imaginário com tons de pesadelo, o sono também era fuga. E como fugir de um labirinto cuja construção teve uma só porta e de entrada? Até que a rotina cravou punhal na consciência, e ele viu o próprio sangue no chão do pensamento. Olhou pela janela, e viu todos que abandonara ao jamais, ali  estavam, à beira do porvir.  Era hora da mudança. Haveria de vir da esperança, uma amazona que não conseguimos enxergar, mas traz em seu alforje, uma ideia chamada paz. Algo que permeia, precipita e incendeia. E quando atinge a consciência, percebe-se que a vida está lá fora. Que a representação trintenária nunca foi espetáculo, o teatro estava abandonado, pelo insustentável roteiro do desamor. Somos humanos. E merecemos paz, uma vida melhor ao invés de sobrevivência cênica. Então, deveria haver outro mundo, melhor que aquele. As asas, o rompimento, e o voo de coração. A transformação, embora progressiva, já demonstra a transposição para um novo espaço, também nesse ponto do texto. De coadjuvante das conveniências alheias, passou a protagonista da sua própria felicidade, com pleonasmo merecido. Sim, ele renasceu. Aquela tal sobrevida, sofreu aborto espontâneo, natural, coisa do destino. Um novo tempo. E por respeito à criação, agora é aguardar uma determinada semente brotar e voltar-se para ele, virá que eu vi.  Livre e nu, corre hoje pelo país com argumentos de sobra, para quem quiser ouvi-lo. Graças à conspiração – conjunção de fatores energéticos que orientam uma emancipação – ele segue ao lado de alguém semelhante. Sim, houve anunciação, e legítima. Sem importar se ontem a bruma era leve, eles hoje brincam felizes no mesmo quintal. Alaranjado é o sol, verde o limão, azul o céu, vermelho o camarão, todas as cores no tempo que virou uma eterna estação. A libertação é triunfante, fundamentalmente pela reciprocidade da companhia. Nas belas águas da Paraíba, ele a presenteia com o belo e lírico epíteto: “Companheira de Alta Luz”. 

 Companheira de Alta Luz - Zé Ramalho 




segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Gabão Sem Fronteiras




Gabão Sem Fronteiras

Eu digo, mesmo que para todo mundo que não me ouve, que a vida se demora. E o mundo sem me contestar, diz que não, que ela é muito breve, que o tempo não para, emprestando letra de música, não fosse jargão popular.

Parece que foi ontem. Uma gravidez de risco, nefrolitíase conjunto com antibioticoterapia, tu haverias de nascer em estado melhor possível. Não bastou, foram necessários os antimicrobianos, tarjas-pretas, com bulas tão amedrontadoras quanto uma ficção apocalíptica.

Até que, naquele princípio de feriado nacional, nasceu este rebento via cesariana: um grito às margens do Brígida, a independência, a emancipação e o alívio, pois viestes em perfeito estado, sem importar se a nação é imperfeita.

Morena e de cabelos (posteriormente) lisos, antônimo da irmã Flávia, Gabriela veio ao mundo para ser rara Gabriela, e não mais uma. Uma bolinha que foi crescendo e nos absorvendo, sempre em calmaria, parecendo a todo momento navegar em mar de Almirante. Raríssimos rampantes, como a rejeição à areia da praia em São Francisco do Sul, onde permaneceu enfurecida dentro de uma canoa fundeada na beira.

O aniversário de um ano, comemorado na tranquila pousadinha na Vila da Glória, hoje se interpreta como anunciação sobre teu sereno e altivo espírito, no sentido de modo e futuro.

Mas eis que tu viraste cobra, como pode? Pois pôde, em razão do teu destaque dentre tantos na educação de massa. Troféus que te traziam vergonha no sentido de timidez, preferias o anonimato. Mas o palco é o teu lugar, inolvidavelmente.

Sim, parece que isto, ou tua conduta e comportamento, têm a ver com o significado do teu nome, “mulher forte de Deus”, enfrentando a vida com equilíbrio e maestria.

Recebestes tão cedo, aos nove anos, um desafio com formato de obstáculo e jeito de transposição impossível: qual o quê, teu tamanho não era aquele que a idade sugeria. Aos poucos, iniciastes a compreensão da vida, criando linha de raciocínio que desenvolveu dimensionalmente tuas interpretações do fenômeno existência humana.

Quem fala contigo hoje, quando soltas a voz, imagina uns 30 anos dentro de 17. Tentei iniciar-te na música, tu saberás um dia se vale a pena. Agora, ocupou-se de algo fundamental, a profissão.

Aquilo que era dúvida, de repente se transformou em certeza, não demorando a se consolidar o início do caminho. E que caminho... a busca da cura dos males humanos, coisa para poucos. Pois são poucos aqueles que veem na saúde, a base de tudo, para o devir. O resto, a maturidade se encarregará, trazendo-te o aprendizado com as experiências do enfrentamento, algo que tu sabes fazer bem, com dignidade, reflexão e precisão.

Ora zen, ora tagarela, é assim que tu atravessas a passarela do teu tempo. Nem a fama nem as pompas, o que te vale é tua essência, anônima e modesta. Terreno para uma boa construção de teus valores, quiçá sempre atualizados, reciclados, reforçados e defendidos perante eventuais obstáculos, até os que pareçam intransponíveis.

Meu orgulho se repete, dando vazão à minha vertente de lágrimas cativas, num rio que só eu vejo, só eu sinto, só eu reconheço, é coisa particular. Mas ele corre, tem seu curso, direção e trajetos definidos, quem sabe desemboque no mar. Na contramão da minha glória, eu reconheço e valorizo a conquista alheia, principalmente quando de minhas filhas.

E se as lágrimas e os abraços misturados à soluços e lama com tinta não se demonstram suficientes, recorro a esta correnteza de palavras que formam frases, as quais, tentam, minimamente, traduzir a emoção que há no leito, do meu peito. É o que sei fazer direito.

Falando nisso, repito que:

“A Odontologia me trouxe a noção de espaço. O Direito, de tempo.  Das grandezas dimensionais, só o amor não é precedido pela ciência.”

Então, querida filha, que a Medicina possa te trazer os instrumentos através dos quais tu poderás não só prevenir e curar doenças do nosso povo, mas também realizar-te profissionalmente.

Copiei e colei da homenagem que fiz para a tua irmã, em momento similar:

 "Em momento de festa, pensa que essa manifestação é um grande bolo de parabéns, e os docinhos vêm a seguir, em forma de conselhos. 
- Não esperes reconhecimento de ninguém, atribuir valor ao teu trabalho é competência exclusivamente tua. 
- Não esperes ajuda de ninguém, o teu dever será reflexo somente de tua capacidade. 
- Escolhe a critério justo tuas companhias, pois nem todas estarão lá pelos mesmos motivos (sonho) e objetivos (realização) teus. 
- Dedica-te ao máximo que puderes à faculdade, para que depois, no exercício da profissão, trabalhes com sabedoria, segurança e retidão. 
- Desenvolve sobretudo aquilo que chamam de consciência social, pois tua preparação/formação também será voltada para diagnóstico, tratamento e cura dos menos favorecidos, ou seja, dos que mais precisam de ti, os cidadãos do mundo. 
- Mantém como tua conduta, o equilíbrio, a serenidade, a humildade e a verdade para com o próximo, sempre considerando o binômio tempo e espaço, inclusive no tocante ao sigilo profissional. 
- Não desanimes, diante das novas formas de obstáculos que surgirão em tua estrada: teu conteúdo, congênito e adquirido, será o instrumento para ultrapassá-los com maestria.  
- Lembra que a Medicina é uma Arte. E como disse Nietzsche, “Temos a Arte para não morrer da verdade.” 
- Estuda a fundo a Ética. Ela é a maior e melhor condutora dos profissionais no sentido de superação de todas e quaisquer fronteiras... 

Um beijo, saúde, felicidades e continuidade em teu sucesso.
Eduardo, seu Papão Lixa.

Ps:   há mais valores nestas poucas linhas, do que a nossa vã racionalidade possa desconfiar...
(o restante, também tens no sangue)"


Curitiba, 01 a 04 de novembro de 2019.





domingo, 11 de agosto de 2019

Sei-os



Uma imagem 
Do desejo fez viagem 
Paisagem que lhe deu asas 
E lançou-o ao céu sem partida 


Uma certeza 
Do segredo fez beleza 
Natureza que lhe trouxe paz 
E o manteve por lá sem saída 

Voou, voou e sentiu 
Que ela fosse a tal companhia 
Mas vingava a solidão protegida 

Sentiu, voou e descobriu 
Que ela jamais seria a mulher dele 
Mas era a mulher de sua vida... 



    "Simples Assim"  -  Lenine





quinta-feira, 25 de abril de 2019

quinta-feira, 21 de março de 2019

A Estorinha de Um Amigo Meu



Sempre fui ouvidor. Jamais me neguei ao aconselhamento. Mesmo sem saber por que procuravam a mim, e não (a)os terapeutas. Mas desta vez, foi algo original.

Ele não me contou a história dele, parece que não havia. Dele com ela. Coisas do mundo virtual, tendem a ser desfeitas pelo seu caráter evanescente, geralmente é o vento que se encarrega disso.

O que havia, então? Disse ele que era algo parecido com magia. Uma ligação unilateral, na qual ele tentou ao máximo evitar, sabedor dos poréns. Nem sabe como começou. Quando viu, era quase tarde da noite. Do dia, do vespertino, do tempo.

Trocaram poucas palavras. E o escambo se transformou num vai e vem de imagens e frases, dela para ele e dele para ela, pela ordem, e principalmente na contramão, no versa. Falou que não recebia suas fotos como se elas estivessem sendo mandadas para ele, não era pretensioso o sujeito. Quando apareciam, ele se juntava aos destinatários e a sua modesta admiração.

Combinaram poesia como intuito da coisa. Literatura amadora, inspirações e tais, era o que bastava para a troca.  Ela compromissada, anunciava-se livre. Ele livre, dizia-se descompromissado. Diferenças.

Mas a vida, tão simples que é, quando trata das formas da beleza, traz o seu grau de complexidade. Nenhuma beleza verdadeira é simples, é fácil, é passível de isenção, de autonomia, independência. Quando se se entrega a ela, quando é reverenciada, mesmo que em contemplação, algo sedimenta, em algum lugar. Polens, e a irresponsabilidade dos ventos.

Existe algo do lado de lá. Algo que veio parar dentro dele. Não, não é amor. Também não é desejo. Mais se parece com emoção. Uma sensação contida, que se lança na grande circulação do organismo no instante em que ele se depara com as imagens dela.

Isso não está nos livros, nos consultórios nem nos escritórios da vida, não é ciência. Tampouco empirismo, posto que não é voluntário. Sabe-se lá o que é.

Derradeiro, ele me disse que na última imagem que ela lhe enviou, algumas lágrimas vieram à tona. Imediatamente, ele as recolheu com o movimento das pálpebras.

Pois ele não faz jus a qualquer nível de sentimento. Fosse medo, não haveria lágrimas. fosse covarde, não haveria frases.

Não fossem as diferenças, haveria poesia. Do mais alto grau de profundidade e reconhecimento.

Não precisei aconselhá-lo. Ele mesmo compreendeu que, mais do que fases, a vida é uma sucessão de limites.

E ele foi embora para casa, com a consciência de que aquela mulher, dentre muitas a mais bela, tem natureza linear.

Navegar, seria preciso não fosse proibido.

Bastou-lhe a certeza da existência da Rozza, sem encontrá-la.

E restou-lhe a areia, onde plantamos palavras que as ondas-pálpebras levarão.

Por isso a mudança. Por isso o Pontal.

E o horizonte à vista. Dos olhos, ele aprendeu...



     Linha do Horizonte - Azymuth




domingo, 17 de março de 2019

Meus Embalos de Sábado à Noite


Trouxe você para o meu sábado
Minha companhia possível
Pois as estrelas já estão lá
E você,
Também já chegou aqui..


Mal educado,
Mando à merda esse teu inglês
Só pra ouvir da tua boca
Pra ver a tua língua
Dizendo o que te cala
Sobre o travesseiro onde eu sonho..


Um descongestionante
Para aliviar meu resfriado
Uma sopa eslava disfarça a solidão
Pus na mesa um prato para você..
Disfarces, meus
Mas é um baile de alegria..


Um dia
Haverei de tudo
Até de ti
Mas talvez seja numa tarde
Ou talvez seja tarde
Para qualquer interjeição
Que te aproxime..
Já não importa
Eu já não estou lá
Naquele cárcere do tempo
Pois o espaço
Sempre haverá de ser teu..


Tenho minhas defesas
Não ligo você com a música
Formaríamos uma família plural
Eu, você e ela
Três janelas pro quintal..


Pobre poesia
Tento lapidá-la
Mas meu sentimento é bruto
Porque é só meu..
     Se também fosse  teu
     Não haveria fantasia
     Cada dia um fruto
     Um amor que ninguém comeu..


Nessa overdose de ar
Vou encontrar
Atrás da Serra do Mar
Um canto para morar
Onde você possa me visitar
E a gente namorar
Sem o mundo incomodar
Sem culpa de amar
Sem risco de apaixonar
Apenas conversar
Na praia caminhar
No oceano nadar
Nas ondas mergulhar
Nus sob sol a secar
Cafuné e café
Carinho e álcool
Um pomar para as rimas
Um ambiente para diálogos
E muitos intervalos
Para sexo e verdade.


É claro que eu te desejo
É óbvio que eu te quero
É certo que daríamos certo
Mas o grande erro
É que assim,
    já está bom...


sim, eu sei
que caibo direitinho em você
nos teus braços
nas tuas coxas
entre teus seios
e teu ventre
talvez tua ideia,
quem sabe teu coração..
    e que meu excesso
    não serviria em ti
    é apenas o que não cabe em mim
    e ao mesmo tempo
    isso tudo que preenche papéis.


se perguntassem o meu sonho
diria tê-la por companhia
se perguntassem meu desejo
fazê-la gozar por todo o tempo
se não me perguntassem nada
eu não contaria para ela
cultivaria em segredo
até que ela se revelasse feliz.


desculpe-me
pelas tão fracas poesias
é porque não conhecer-te
é não ser forte
perante tua dimensão.
   

eu a transformo
n’alguém distante
para não reconhecer que escrevo
sobre tão perto sentir
tão profundo querer
e tão longe a consciência
no horizonte que eu vejo
sou falso alquimista,
pois você amanhece,
      igual às manhãs...


O tempo,
que não te trouxe a tempo
foi o mesmo que te deixou
num lugar onde não resiste
a convenção dos calendários.



"More Than A Woman" - Bee Gees / Colibri Waves cover




quarta-feira, 13 de março de 2019

Se..



Ela se prepara. Vai ao espelho, se garante – o que não é preciso, poderia ir de qualquer jeito. 
Caminha até a janela, afasta a cortina. Pronto, ela e o mundo. Alguns trejeitos, o olhar fatal, e aquele sorriso que nunca acontece, some antes do fim. 
As chuvas de purpurina e glitter são frequentes, talvez ela pense que algum acessório vai embelezá-la, como se isso fosse necessário, ou possível. 
Ou não, ela apenas brinca com a imagem. 
 A rua é pública. Muitos passam por ali. Uns param, olham e se vão. Outros param, veem e comentam. Sabe-se lá quantos sentem alguma coisa, não importa. 
Mas tem um, apenas um, que é diferente. Modesto, ele não assume que é especial. Porque as especialidades necessitam de referências, pares ou ímpares, e ele não é plural. 
Nem melhor ou maior, é um tanto diferente. Distinto, e cavalheiro. Dos antigos, dos valores antigos.
E nessas expansões do universo eis que o sentimento, é moderno. Melhor, contemporâneo. 
Novo, e já maduro. Até parece que o destino deixou para depois das experiências, da sabedoria, do conhecimento, da maturidade daqueles valores, mesmo que tal qualidade seja relativa para uns, já que a relatividade também é referencial. 
Foram as semelhanças. Estudantis, políticas, literárias, filosóficas. Aquilo que vem de dentro e ele reconhece, muito. Identificação. 
Mas tem outro elemento magnético que o atrai sem juízo, mas também sem pecado. 
O jeito dela. 
Mesmo bom escritor, ele não consegue conceituá-la. Claro, porque não a conhece. 
Corajoso, tenta fazê-lo. Dotado de respeito e desejo, conhece o seu lugar. 
Não se arrisca, sabe por quê? Pois não é aventura, não é caça,  não é inconsequência nem loucura. 
A sensação que ele tem quando a vê, é mesmo transcendental. 
A sua plástica, beira a perfeição. O cabelo chanelzinho, os olhos coloridos, os traços do rosto, a tez da pele, o contorno dos lábios, o pescoço...parece porcelana. Mas não de Campo Largo. Talvez da terra dos ancestrais dele, a França, como sugeriu o Google. Limoges, isso? 
Ele se sente tão bem, que é capaz de imaginar um convívio. Risadas, ação, viagens, noite, música, dia, amor e selvageria. 
Mas ele para, toda imaginação tem seus limites: a racionalidade. 
Mundos semelhantes, gerações diferentes, ele não merece tanto. 
Passada a chuva, ele desliga o aplicativo. 
Interrompe o sonho. 
E volta para casa da realidade. 
Mesmo com tanta certeza da tal felicidade, ele age como uma pessoa humana .
Uma pessoa humana contemplando a lua. 
Alguém que ele nem pôde imaginar que existiria. 
Que ele nunca viu. 
Mas sentiu. 
Sentiu um princípio, uma chance. 
E que, por fim, deseja toda a felicidade do mundo para aquele que teve pelas mãos do destino, 
A companhia de alguém chamada Silvia. 


Não me incomoda a insônia 
Assim que levanto, 
Sinto-me abraçado a uma determinada existência 
Um conforto 
Um carinho imaginário que só a loucura tem 
De sentir, 
     sem ser amado por alguém... 


A cada surgimento teu 
Roubo como se fosse meu 
Atiro-me no espaço 
Abraço-te  
    e te levo para o cativeiro 
    um canto do peito   
    onde eu te dou colo a imaginar 
    o outro lado do teu luar.. 



Ana Canas  -  "Esconderijo"




quarta-feira, 6 de março de 2019

Cor de Rozza



Quarta-feira, sem cinzas, não brinquei o carnaval. Cai uma chuva forte, no início da noite campeã, alguém ganhou algo em algum lugar. Longe daqui. Aqui, onde acaba a luz, breu total. Preguiça de acender as velas, sei onde estão, mas não quero. Prefiro assim. Há tempos não presencio tal ausência, generalizada. Há carga no computador. Reabro o blog fechado desde dezembro, 2017. Devo ter algo a dizer. Tem algo em mim. Algo que está incomodado, descontente com tal clausura. Não adiantaram algumas poesias feito catarse, esse algo é alguém. Alguém de quem nada sei, praticamente nunca ouvi, limitei-me aos contatos virtuais e a tal superficialidade inerente a eles. Mas não é um alguém qualquer. Infelizmente – ou não – minha sensibilidade, minha percepção sensorial, ainda está viva, ativa. E assim que eu percebi, trouxe-a comigo no ano que passou. Tempo em que não escrevo nada, apenas alguns apontamentos sobre ela. E nada profundo. Por respeito e por todos os outros fatores que regem o movimento das gentes nas sociedades. Foi então que resolvi mergulhar mais fundo. Por que ela? Ainda não sei, hei de vasculhar o mundo sob a linha d’água. E sei, que é um mundo só meu. Ela não pertence, digo, sua realidade não acontece por aqui. Mas tem um pedaço dela ao meu redor. Uma parte indeterminada, vinda da contemplação às suas imagens que tive acesso. E confesso, despenquei. Do alto dos costões das minhas nulidades, impossibilidades, negativas e certezas que construí para mim nesses últimos anos. Era um alto de escolhas, de afastamento, de recolhimento social e principalmente afetivo. A opção pela solidão é para poucos, para os fortes. Mas é justamente essa opção, que acabou fazendo o contrário, o avesso da vida. Totalmente oposto a qualquer tipo de relacionamento, foi que eu me conectei a ela. Lutei, mas não consegui. Porque eu estava certo: ela é fonte. Quando se caminha num deserto relacional, uma fonte verdadeira não se despreza. Mesmo, em território alheio. Assim, eu a compreendi. Concebi como fonte, sem invadir propriedade, sem ofender ou sugerir, sequer revelar a já necessidade de manifestar por vontade, tomar um copo d’água. Se há culpa, é toda minha. Portanto, é meu papel conviver com esta sede. E se o copo não está ao alcance, meu papel a partir de hoje é transformar minha sede por ela em outra coisa, que nem sei se vou conseguir. Só porque é muito difícil, deparar-se neste terço da vida, com uma pessoa que transmite tudo aquilo que não vi até hoje. Uma espécie de identidade. Uma ideia de diálogo. Um tipo de desejo. Uma variante de carinho. Como a superficialidade das poesias não adiantou, venho para este canto, tentar sua alquimia. Educado e com garantia de ser compreendido em função do caráter poético/lírico da coisa, ganhei liberdade. Não chegarei às minhas profundezas, mas revelarei todas as cores dos arrecifes que vejo em seu mar. E tentarei desenhar aquele algo que sinto, quando a vejo passeando pela sua praia. Sua beleza não é minha. Mas eu fico com sua arte. E regozijo.. 



Falling Slowly
Glen Hansard & Lisa Hannigan



sábado, 30 de dezembro de 2017

Dois Tempos da Eterna Solidão


Mil novecentos e noventa e dois, dezembro. Comando do Quinto Distrito Naval do Rio Grande, último dia do ano. Eu, de serviço na unidade junto com alguns praças: um sargento, um cabo, um marinheiro e o taifeiro, além do fuzileiro naval na guarita de entrada. O resto do pessoal já havia ido embora, mais de centena. Naquela tarde, conduzi novamente o cerimonial de recolhimento da bandeira, estava escurecendo. Apareceu outro sargento solicitando que a viatura pegasse a esposa dele num bairro da cidade, ele também estava de serviço, mas na Capitania dos Portos, ao lado. Consenti. A pistola 9mm em minha cintura era apenas um adereço na decoração da farda militar. Permaneci no quarto do oficial de serviço lendo algum livro (talvez fosse Blavatski) até que vieram pedir que eu liberasse a geladeira do rancho, pois quase todos os praças de serviço na Capitania iriam comemorar ali com seus parentes, fora os quatro do Comando, eles precisavam dos refrigerantes que o intendente negara pela manhã. Impossível repetir o ato dele, ainda mais vindo de um subordinado 2º Tenente, eu era 1º. Um silêncio sepulcral, fui dar uma volta pela OM (organização militar), por dentro e por fora. Na segunda sessão, verifiquei que os navios do Comando estavam devidamente plotados, em terra. Lá fora, nada se mexia, além dos pássaros que bebericavam no canal. Voltei, fui à Praça D’Armas, o refeitório dos oficiais. Liguei a TV e o taifeiro perguntou que horas eu queria a ceia de ano novo, pedi que servisse às 23. Quinze minutos antes, dirigi-me ao rancho, todos já estavam sentados com suas mulheres e crianças, umas trinta pessoas. Desejei-lhes um feliz novo ano, repleto de realizações e esperança, já que o governo Collor representou os dois piores anos das Forças Armadas em toda a sua história. Saí dali, eles começaram a cear. Quando voltei, o taifeiro deixou a bandeja com a ceia e minha tradicional água com gás sobre a mesa, desejou-me feliz 93, pediu licença e recolheu-se aos seus colegas no rancho. Antes de comer, sentei-me no sofá, desliguei a TV e chorei um pouco. Por aquele povo que trabalhava de serviço numa data tão especial, impedido de estar em casa com mais parentes. Refleti sobre meu futuro. Jantei, vi a passagem de ano na TV a única vez em minha vida e fui dormir.  

Dois mil e dezessete, dezembro. Caverna do Tarumã em Curitiba, último dia do ano. O desafio. Driblei a todos, não muitos, mas o suficiente. Aloquei pessoas, inventei destinos, realizei mentiras. Tudo na mais sutil arte do embuste, o engano. Claro, que sem ferir ninguém. E consegui, o triunfo de minha solidão. Nesta virada do ano, livrei-me de tudo e de todos, para ficar sozinho. Pela primeira vez, resolvi experimentar uma situação semelhante à de 1992, só que tomada de vazios, todos. Reflito sobre meu presente, já não há mais futuro. Tanta coisa aconteceu de lá até aqui, passaram-se 25 anos. Trabalhei em três estados, cinco cidades, nove empregos, serviço público em todas as esferas de governo, clínicas particulares e grupos de saúde, e agora uma empreitada. Casei, fui pai duas vezes, me divorciei. Fiz outra faculdade. Morreu um dos meus dois cachorros. Raras paixões, nenhum amor, sexo suficiente. Mas o que mais me chama atenção nessa noite de virada de ano, não é uma mesa com brasileiros ceando longe de suas casas. É a falta de diálogo das pessoas neste momento nacional. É certo que o golpe dividiu a sociedade. É certo que a tecnologia afastou as pessoas criando vácuos artificiais na sociedade. Mas tudo isso é errado, penso eu. E não poderei resolver. Então, eu concluo planos para este meu presente-próximo. Então eu revisito minha garagem de valores, meu porão de verdades e meu sótão de afetos. Como um astronauta, subo rumo a 2018 numa cápsula tão reduzida, que quase posso ver quem são as pessoas que sobraram em minha vida. Naquela mesa do Comando, eram 30. Nesta mesa imaginária de hoje, sem contar comigo, são 5: duas filhas, minha mãe e um amigo. A meia-noite chega, os foguetes começam, a cadela Buba corre para dentro. No mundo inteiro, pessoas comemoram presencialmente a entrada do ano novo. Aqui, neste mundinho meu, não comemoro isolado pensando em minhas filhas e na mãe. E choro. Não de tristeza, mas de sensibilidade. Porque ainda arde em mim uma ausência. Então, minhas lágrimas em formato de rio, deslocam-se para o mar, eu já disse isso. O mar, é a minha ausência. É o quinto elemento em minha mesa imaginária. E as lágrimas vão indo por simples espontaneidade da natureza. Sem tristeza, mágoa, rancor ou ressentimento, pois tenho a consciência de que eu não haveria de ser amado: apenas, "porque não tinha que ser". Basta-me aquela ausência, para escrever, percorrer a natureza e chorar quando for preciso. A solidão, é talvez a mais bela forma de reconhecer quem está mesmo ausente em nossa vida. Não há ninguém aqui, posso até perguntar em voz alta, sobre algo que já aprendi. Mar, onde está você?... 

 Poesia incidental: 
 “Consolei-me, voltando ao sol e à chuva 
 E sentando-me outra vez à porta de casa. 
 Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados 
 Como para os que não são. 
 Sentir é estar distraído.” 
 - Alberto Caeiro  





phOTOCALIGRAfIA





quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Entredatas












“Os nunca politizados, pegam facilmente carona com qualquer desconhecido...”

“Todo preconceito, é um constante perigo de se transformar no objeto do próprio preconceito..”

“Na eterna luta de classes, enquanto B não admite o giro vertical da pirâmide social, o pavor de A é que esta se transforme em ampulheta.”

“O ódio alheio é como o tsunami. Precede-se por um recuo silencioso do mar, guardadas as devidas proporções em relação à duração deste recuo...”

"Há quem atribua à morte, valor de nascimento. Então, desprezam alguém a vida inteira, para em seu velório, compensar tanto desprezo. Na verdade, é somente para atestar a inversão de seus próprios valores."

“A necessidade de aparecer feliz na rede social, é diretamente proporcional ao vazio individual.”

“A raiz de todo problema, está na disciplina: ou ausente, ou em falta, ou imperfeita.”

“Apenas os artistas têm competência para encontrar pessoas quentes numa cidade fria.”

“Repare que toda falta de um amor, é compensada com muitas formas de criatividade. Já a ausência dele, admite uma só forma.”

“Viajar, é percorrer 360º em volta de sua missão.”

“O homem sobe a montanha, só para ver o mar que está perdendo.”

“A fome, é uma ansiedade por algo de natureza distinta do alimento.”

“Bebidas alcoólicas são feitas para quem tem sede de saliva.”

“Não pensem que os solitários passam as festas de fim de ano em branco: eles ganham novamente seu belo presente, a realidade...”

“A música, é a hóstia dos ateus.”

“Experimente, mexa com a Física, invertendo seus polos: diga sim para os seus medos e não para os seus segredos. Pois reconhecimento e revelação, são libertadores...”

“Não espere aviões. Construa barcos.”

“Ou é o homem que se aproxima da natureza indo às florestas, montanhas, rios, saltos e cachoeiras; ou é a naturalidade da morte que assim se aproxima do homem...”